“ Num final de tarde, juntei os dois Mestres, Meszaros e González de Acilu, na esplanada do Café de Oriente, em Madrid. Fiz as apresentações e auxiliei na tradução de alguns conceitos, mas optei pelo papel de observador. Eram dois Mestres de áreas musicais complementares, a interpretação e a composição, que eu próprio pretendia conciliar no meu imaginário. Segui com curiosidade a interação profissional e humana de ambos. As reflexões de um e de outro eram profundas, mas divergentes, como corresponde aos postulados que sustentam olhares quase que antagónicos. O compositor está a antever o futuro enquanto o intérprete só pode focalizar-se na música que já existe, quer dizer, interpretar o que já é passado.”
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 374 p. 21 (13-XI-2024)
“Uma das funções da interpretação é fazer emergir o conteúdo de uma determinada estrutura musical", pois é na estrutura sonora que reside o seu conteúdo emocional. A música e a compreensão musical são as prioridades da pedagogia musical. A técnica instrumental é treino físico. Experimentar o processo de criação de estruturas é mais importante do que saber de cor a lista de formas musicais. Segundo Lipovetsky, “a inovação, a criação, o risco, a aventura e a originalidade são agora altamente valorizadas”. A criação de estruturas musicais é uma aventura que pode realizar-se em grupo e não tem métodos porque os métodos “são a antítese da mente criativa”. Se alguma vez concebemos um método para ensinar composição “esse é o momento de abandonar tudo!”
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 372 p. 12 (16-X-2024)
“O etnomusicólogo John Blacking considera que a música é algo mais do que sons e ela emerge do comportamento dos grupos humanos, pelo que define a música como “som humanamente organizado”, que em todas as culturas é sempre diferente do som da fala. Ainda assim, é preciso levar esta afirmação um passo adiante porque a Música não só é um objeto sonoro –uma categoria de som organizado– senão também um processo, um sistema de comunicação não referencial. O som é o objeto da música, mas o sujeito é o ser humano, e é esse conteúdo humano, do som humanamente organizado, o que capta a atenção das pessoas.”
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 370 p. 22 (11-IX-2024)
“O termo 'horror vacui' é um conceito que a física peripatética utiliza para exprimir que a natureza abomina o vácuo e, portanto, a matéria circundante tenderia a preencher imediatamente o espaço vazio. Na história da arte também se utiliza o termo para descrever a tendência a preencher completamente todas as superfícies, o que acontece ao longo da história, nomeadamente no barroco. Na sociedade híper-estimulada atual, a sobrelotação visual e acústica que invade o nosso espaço vital vai muito além do horror vacui, atingindo proporções de contaminação grave e prejudicial para a saúde. Seria bom criar espaços de silêncio construtivo tanto nas escolas e parques públicos como nas empresas para, assim, reduzir as perturbações psicológicas da povoação obrigada a suportar excessos auditivos que encurtam a sua capacidade de raciocínio.”
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 366 p. 22 (17-VII-2024)
“A complexidade talvez não esteja ‘na natureza das coisas’ mas sim nas representações que nós fazemos delas”. Não obstante, a complexidade teórica concebível pode não coincidir com a complexidade prática observável e aí aparece uma dicotomia entre a teoria e a prática, a criação e a interpretação, Apolo e Dioniso, que se traduz numa poderosa variável: a imprevisibilidade essencial.
Chegados a este ponto, a didática criativa ou mesmo da criação musical começa a materializar-se, e do conteúdo de verdade emerge o caráter enigmático das obras de arte."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 364 p. 21 (12-VI-2024)
"A comunicação emocional da música pode ser controversa de uma pessoa para outra e mesmo mudar radicalmente na mesma pessoa de um momento para o outro. Mas a música tem padrões e estruturas que se relacionam entre si e podem ser mais ou menos identificáveis pelos ouvintes e/ou pelos intérpretes. Emoção e conhecimento são características musicais que adquirem significados relevantes na vida das pessoas. Esses significados são aprendidos e a escolha pedagógica tem um papel fundamental no desenvolvimento dos diferentes níveis e capacidades de assimilação. Aprende-se a ser feliz ou a parecer que somos felizes."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 362 p. 26 (15-V-2024)
"O ensino da música é como compor uma obra musical e a experiência de compor, mesmo que rudimentarmente, é o que devem fazer os alunos na sala de aula de Análise e Técnicas de Composição, mas também na de História da Música, pois reconhecer, situar e reconstruir a paisagem sonora de cada época, cada estilo e cada compositor forma parte dos conhecimentos e das habilidades básicas que devem desenvolver os alunos, do ensino artístico especializado de música, que se encaminham para um curso superior. Para enfrentar a imprevisibilidade da composição, o professor tem de apostar na estratégia que, segundo Edgar Morin, permita modificar a ação empreendida. "A estratégia deve prevalecer sobre o programa. (…) e em tudo o que se efetua num ambiente instável e incerto, a estratégia impõe-se". "
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 360 p. 24 (10-IV-2024)
"Jacques Attali interpela-nos: "O que é a decadência senão a confusão entre memória e repetição?", e o filósofo Walter Benjamin lembra-nos que "o valor singular da obra de arte 'autêntica' tem o seu fundamento no ritual em que adquiriu o seu valor de uso original e primeiro". Daí que a afirmação de Pierre Schaeffer, no Tratado dos objetos musicais, "se só fazemos a música que sabemos fazer, não fazemos mais do que perpetuar a banalidade", seja demolidora. Queremos um presente-futuro ou um presente-passado? "
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 358 p. 21 (13-III-2024)
"Transmitir ao aluno o que o professor sabe é pouco produtivo pois o conhecimento do docente já é do passado e o discente está a preparar-se para o futuro. Devemos ensiná-lo a aprender para que depois aprenda a saber o que o seu momento histórico lhe exigirá. É preciso despertar nele a compreensão do passado, mas abrindo-lhe perspetivas de futuro. Um aluno do ensino artístico especializado de música deve compreender as leis da tonalidade tal como as da linguagem simbólica de Camões ou de Eça de Queirós, sabendo que já foram ultrapassadas e portanto, para sobreviver no futuro, tem que encontrar novas técnicas e expressões. "
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 356 p. 17 (14-II-2024)
"Na República de Platão, a alegoria da Caverna reflete sobre a situação de ignorância em que se encontram os acomodados no mundo das sombras. A educação é a oportunidade que eles têm de curar a sua ignorância, olhando para a luz e deixando-se deslumbrar pelo conhecimento, mas isso exige um esforço de habituação e perseverança constante para mudar de vida e de mentalidade, pois implica perdas, dúvidas e sacrifícios. É no interior da caverna que se inicia esse processo, mas, como indica Teixeira, “a saída da caverna não se dá de maneira natural e pacífica”.
Os períodos clássicos, como o atual neomodernismo, são as tentativas da humanidade para sair da Caverna, encarando a violência dos poderes que se alimentam da ignorância dos povos."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 354 p. 24 (17-I-2024)
"A atmosfera musical daquele conservatório foi-se tornando cada vez mais rarefeita para a minha imaginação criativa. Achei que seria bom mudar-lhe o nome por algo mais dinâmico, que incentivasse a evolução, por exemplo, «Progressatório de Música», mas como a minha opinião era insignificante, acabei por aceitar que aquilo não passava de um «Conversatório de Música» para diletantes. Era preciso aprender a ser autodidata. "
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 352 p. 24 (13-XII-2023)
"Ao derrubar o mito positivista, as ciências do engenho, vagarosamente, desabrocham. Na música, a resistência à mudança foi, e continua a ser, enorme; a maioria continuou aferrada à decadência romântica, pois a vitalidade da nova música irritava o raciocínio conformista daqueles odres de vaidade. "
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 350 p. 23 (15-XI-2023)
"Alguns anos depois percebi que, muito pior do que o maltrato físico, fora a mediocridade que me transmitiram, o reducionismo musical e cultural que incutiam nas crianças, a submissão a uma borra social que não dava para a cafeomancia adivinhar futuros melhores."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 345e346 p. 22 (13-IX-2023)
"A criatividade é um músculo que precisa de ser treinado... É mais útil investir na criatividade dos professores que nos métodos e projetos educativos. Daniel Baremboin, no prólogo de um livro de Edward Said, escreve que "o mundo da música se transformou numa sociedade de especialistas que sabem cada vez mais sobre cada vez menos … este tipo de educação gera instrumentistas muito competentes … mas incapazes de aprofundar na substância essencial da música, compreendê-la e expressá-la". Nunca tivemos tantos doutores na música e, no entanto, tão estéreis e criogénicos."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 343e344 p. 24 (26-VII-2023)
"O silêncio é o elemento mais subtil da música, já que nele há sempre um eco dos sons que o circundam. Assim, pois, não é exagero dizer que toda a pedagogia da música se fundamenta na pedagogia do silêncio, mas sabemos que, no mundo barulhento em que vivemos hoje, a quietude do silêncio tornou-se assustadora. As didáticas de Schafer e Paynter reclamam atenção para o silêncio positivo como uma capacidade auditiva que deve ser treinada para que os alunos desenvolvam a audição interior, como passo prévio para sentir a música e interagir com ela."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 340 p. 20 (14-VI-2023)
"Todo o poder ou ideologia precisa de um músico para fazer esquecer a violência geral; de fazer acreditar na harmonia do mundo pela legitimação do poder; e de fazer calar a dissidência produzindo uma música ensurdecedora e eclética. O poder utiliza a música como bode expiatório ou rito sacrificial quando nos quer esquecidos; como encenação ilusória sempre que necessite da nossa credulidade; e como repetição em série, uniformizadora, quando precise de nos emudecer. A música sempre foi um instrumento nas mãos do poder."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 338 p. 21 (17-V-2023)
"Hoje, os professores de música têm de motivar os alunos e despertar neles o talento musical que cada um de nós possui. Esta mudança de paradigma pedagógico apanhou muitos professores desprevenidos, pois as estratégias educativas que experimentaram na sua formação já não produzem qualquer efeito. A sociedade está a mudar a um ritmo cada vez mais acelerado e o nível de ruído ambiente, cada dia mais tecnológico, em que habitam as crianças de hoje não é comparável com o da geração dos professores."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 336 p. 24 (12-IV-2023)
"São muitas, pois, as perguntas que um professor de música tem de saber responder antes de ir para a sala de aula. A primeira é saber em qual dos presentes se situa, se no presente-passado, insistindo no que já foi, ou no presente-futuro, concebendo o que há de ser. Queremos que os alunos desenvolvam habilidades criativas ou criogénicas?"
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 334 p. 20 (15-III-2023)
"Não é por acaso que a neurociência descobriu que o cérebro dos músicos tem uma maior massa cinzenta que o dos não músicos e apresenta muitas similitudes com a estrutura do cérebro dos matemáticos. Nunca devemos estar contentes com o presente, não porque o passado fosse melhor, mas porque o presente ainda não atingiu o melhor da ciência musical, que estimule o pensamento complexo e movimente as emoções sublimes."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 332 p. 21 (8-II-2023)
"O que realmente me move tem mais a ver com praticar uma criação musical e uma pedagogia dignas desse nome e isso não é quixotismo retórico, forma parte de uma nova sensibilidade moral que desponta neste neomodernismo sem dominações e que assiste ao surgimento de exigências como a de comer alimentos dignos de tal designação."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 330 p. 23 (11-I-2023)
"Na 'Encyclopédie raisonnée des sciences, des arts et des métiers' de Diderot e de Alambert (1752) um dos artigos mais longos (40 páginas) trata dos sistemas e em grande parte está dedicado ao «sistema geral» das notações musicais porque, como anota Jean-Louis Moignet nos fundamentos de 'O Construtivismo', "é o processo de modelização mais espantoso inventado pelo espírito humano, já que permite representar inteligivelmente, reproduzir e comunicar o fenómeno mais inefável -o mais indescritível- que é possível conhecer: a harmonia musical". A complexidade não está na natureza das coisas mas sim no código que utilizamos para as interpretar. Não obstante, a complexidade teórica concebível pode não coincidir com a complexidade prática observável, iniciando-se então uma dicotomia entre a teoria e a prática, a sistémica e a epistemologia, a criação e a interpretação, que se traduz numa poderosa variável: a imprevisibilidade essencial."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 328 p.20 (14-XII-2022)
Centenário de José Saramago.
"José Saramago integra a música na sua narrativa como uma personagem díscola e enigmática que modifica as vontades e subverte o guião. Tira proveito da música quando faz refletir as suas personagens na presença de uma força alheia, misteriosa, incompreensível que “desacredita o destino, a fatalidade, a sorte, o horóscopo, o fado e todas as demais potências que se dedicam a contrariar por todos os meios dignos e indignos a nossa humaníssima vontade de viver”, escreve Saramago... Afinal de contas, os ouvintes são a maioria das pessoas musicalmente envolvidas. Sem elas não há vida e Saramago era um ouvinte atento que soube tirar proveito da música e integrá-la nas nossas vidas literárias."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 326 p. 7 (16-XI-2022)
Centenário de Agustina Bessa-Luis.
"Não temos informação suficiente sobre o significado que a música tinha para Agustina Bessa-Luis, nem o tipo de música que poderia ocupar um lugar na sua vida, mas na prática literária dela encontramos técnicas de composição musical como a narrativa repetitiva, uma espécie de leitmotiv transversal a vários romances, ou a metaficção, onde o tema é a base motívica e contrapontística recorrente ao longo da obra."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 324 p. 18-19 (12-X-2022)
"Não basta ser inteligente ou saber as respostas certas, pois isso só faz referência a elementos novos que estão ligados a conteúdos previamente conhecidos; é o que se designa de pensamento convergente. Pelo contrário, o pensamento divergente relaciona elementos novos que são independentes dos conteúdos prévios, produzindo respostas possíveis, originais e flexíveis, mas exige uma grande capacidade crítica para excluir as ideias absurdas. Isto é a criatividade e pode aprender-se, mas só se manifesta em ambientes de sensibilidade cultural, criativos."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 321-322 p. 22 (13-IX-2022)
"O desejo de conhecer o novo é o que impele o avanço das ideias, e a criatividade é o empenho por encontrar soluções diferentes e originais. É um desejo que nunca se satisfaz porque sempre há algo de novo por descobrir, seja na música erudita mais recente como nas grandes obras do passado, assim como na aparente simplicidade da música tradicional. Se quando ouvimos uma música não descobrimos algo de novo, nesse instante começamos a aborrecê-la; e isso vale tanto para as que escutamos pela primeira vez como para aquelas que já nos acompanharam centos de vezes."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 318 p. 22 (13-VII-2022)
"Quando não questionamos a História e só relatamos os factos sem qualquer discernimento crítico, podemos induzir a racionalismos falaciosos que justifiquem a involução ou legitimar que o ideal sublime dos criadores é o enriquecimento e o reconhecimento social, e não, criticar esta corrida para o abismo e, sobretudo, «tirar da miséria psíquica e moral os nossos contemporâneos»".
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 316 p. 21 (15-VI-2022)
"Em 1952 estreou-se o 4’ 33” de John Cage, obra musical em silêncio. Em 1957, o pintor francês Yves Klein apresentou, na galeria Iris Clert de Paris, uma exposição que se anunciava como «Surfaces et blocs de sensibilité picturales. Intentions picturales» com o espaço expositivo completamente vazio e cobrando aos visitantes pelo ingresso. Ambos os casos podem entender-se como uma desmaterialização ou como uma crítica iconoclasta à instituição burguesa da arte.
O artista italiano Piero Manzoni dá mais um passo e introduz um elemento altamente perturbador e fraturante, a 'Merda de artista'."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 314 p. 20 (11-V-2022)
"A mediocridade é o verdadeiro ópio do povo, e todo aquele que aspire a ter êxito nesta sociedade de medianias competitivas deve fugir de toda e qualquer excelência. Parece piada, mas se quisermos ser um desses famosos a aparecer nos meios de 'incomunicação' social, temos de ser medíocres o suficiente."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 312 p. 19 (13-IV-2022)
"Em 1972 celebraram-se em Espanha os Encontros de Pamplona, o mais internacional dos festivais da vanguarda, com a presença de John Cage, David Tudor, Steve Reich, Mercê Cunningham, Silvano Bussoti, Juan Hidalgo e mais de 350 artistas, de todas as artes e de todo o mundo, representativos da pós-modernidade mais experimental, radical e iconoclasta. O financiamento fora assegurado pela empresa que, utilizando os presos políticos dos campos de concentração franquistas como mão-de-obra forçada, construíra, perto de Madrid, um faraónico mausoléu para o sanguinário ditador. A contradição era própria do pós-modernismo onde o vale-tudo e a provocação são marcas essenciais de identidade."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 310 p. 22 (16-III-2022)
"A evolução da música não é biológica, é criada pelos compositores, imersos no seu contexto social e cultural. Há uma construção teórica mas não existem leis imutáveis pelo que o fundamento é ideológico."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 308 p. 19 (9-II-2022)
"Sexo e música sempre foram componentes naturais da vida humana, daí que se tornassem mágicas e religiosas, sendo o meio para alcançar o transe.
Um amigo italiano chamava a isso 'vibrato di cuore' e quando falta, não há música, só matemática soporífera; da mesma forma, sem sexo não há procriação, e a função criativa de deus fica esvaída."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 306 p.20 (12-I-2022)
"Há um rondó, de Machaut, a três vozes em que o título já nos alerta para algo extraordinário, 'Ma fin est mon commencement et mom commecement ma fin', onde na segunda parte as duas vozes superiores se intercambiam e retrogradam (andando para trás), cumprindo com o princípio dialógico, “associar dois termos ao mesmo tempo complementares e antagónicos”, enquanto a voz grave é rigorosamente simétrica, um processo recursivo “em que os produtos e os efeitos são ao mesmo tempo causas e produtores daquilo que os produziu”.
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 304 p.20 (15-XII-2021)
"Dessa análise do consumo musical surge a nova música ‘boa’, a que mais dinheiro gera, a da grande irmandade de consumidores a caminho da extinção, que não conseguem imaginar o futuro porque adormeceram na obstinada recriação do passado."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 302 p. 20 (10-XI-2021)
" Podemos tratar com os compositores imortais por intercessão de um médium, pois estão todos mortos, ou, de modo mais criativo, interpretando a sua obra. O problema é tratar com os compositores vivos que se acham imortais, pois não há argumentos nem raciocínio humano que permita o diálogo com alguém que se considera superior ou que padece da síndrome do ditador com mandato divino, a quem todos lhe devemos vassalagem."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 300 p. 22 (13-X-2021)
"A mediocridade é o verdadeiro ópio do povo, e todo aquele que aspire a ter êxito nesta sociedade de medianias competitivas deve fugir de toda e qualquer excelência. Parece piada, mas se quisermos ser um desses famosos a aparecer nos meios de 'incomunicação' social, temos de ser medíocres o suficiente."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 297-298 p. 22 (15-IX-2021)
"Confesso, ainda que não o possa demonstrar, que eu já tivera a ideia de pôr uma vaca a fazer uma grande bosta na porta principal, quando nos visitou Pilar Primo de Rivera, a falangista que quiseram casar com Adolf Hitler, mas eu não tinha a vaca para materializar aquela cintilante imaginação. É claro que as ideias são intangíveis e não geram direitos."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 294 p. 20 (14-VII-2021)
"Encontrar padrões é a essência da matemática, assim como a da música. Os matemáticos e os músicos dedicam-se a procurar modelos, mas a matemática, tal como a música, não é perfeita e, por isso, uma e outra são ciência e não crença."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 292 p. 19 (16-VI-2021)
"A perda de Deus marcou o início do modernismo e os pensamentos tornaram-se “as sombras dos nossos sentimentos – sempre mais escuros, mais vazios e mais simples” a crescerem de modo elefantíaco."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 283 p. 13 (27-I-2021)
"A linguagem nunca é neutra nem inocente e evidencia-se a necessidade de intervir coerentemente na eliminação de preconceitos e rejeitar perceções antiquadas sobre quaisquer pessoas ou grupos sociais."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 277 p. 11 (28-X-2020)
"Depois um microrganismo acelular desatou uma pandemia universal e as tão elevadas tecnologias não nos socorreram. Mais uma vez foram os humanos com competências em gestão de mudanças, dúvidas e erros, a resolver o gravíssimo problema social."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 275 p. 24 (30-IX-2020)
"O estilo de Haydn e Mozart alcança em Beethoven uma expressão sublime que vai para além da técnica de composição utilizada. As ideias de Beethoven, assim como as de Bach, é que fazem transcender a sua música. Em síntese, era isso o que outro grande inovador, Arnold Schoenberg, transmitia aos seus alunos."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 270 p. 7 (15-VII-2020)
"A matemática, ou ciência das regularidades, era o deus pitagórico. Eles foram os primeiros a utilizar esse termo para o estudo sistemático dos números que, para além de ‘ciência’, também significa ‘conhecimento’."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 242 p. 8 (15-V-2019)
"Trata-se de ensinar a aprender e motivar para apreender. A expressão das emoções aprende-se e quantifica-se."
Publicado em Boletim da Academia Galega da Língua Portuguesa (AGLP) (ISSN: 1888-8763) nº 12 pp. 47-57 (2019).
"'Ancora una volta' –mais uma vez– a recuperação do bom senso, do equilíbrio e da simplicidade que permita ao ser humano tornar-se, novamente, a medida de todas as coisas, está em andamento. Conhecer a história deveria servir para libertar-nos dos erros do passado, mas será que aprendemos algo do passado? Multiplicam-se por toda a parte os auto-iluminados que invocam mandatos divinos para proclamar golpes de estado e promover ditadores populistas que beneficiem os interesses da minúscula elite económica mundial. Se continuarmos a alimentar esses despautérios intervencionistas, o próximo genocídio será global e definitivo e, provavelmente, o romantismo não voltará na próxima primavera."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 238 p. 12 (13-III-2019)
"Com a queda das torres gémeas de Nova Iorque, em 2001, um novo período de recuperação da harmonia das proporções está reagindo contra o ‘tudo vale’ do pós-modernismo. A novidade é que agora são as mulheres as que começam a comandar o desenvolvimento social."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 221 p. 31 (27-VI-2018)
"O nosso cérebro começa a diferenciar-se do de outras espécies animais quando balbuciamos as primeiras palavras. As palavras estruturam o cérebro e quanto maior é o acervo linguístico mais ricas são as ideias, os argumentos e a criatividade. A democracia depende do farnel de palavras com que cada um contribui para construir o capital cultural que alicerça a comunidade. Quanto maior é o número de palavras que utilizamos, mais pacífica é a sua convivência, mais rica é a sociedade, mais perfeita é a democracia."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 215 p. 20 (28-III-2018)
"Pus três intérpretes, de costas para o público, cada um com seu bacio na mão, em atitude de urinar demorada e prazerosamente. O som dos três jorros certeiros e percutentes no centro do penico inundava o silêncio contido da sala, que crescia à medida que se enchiam os recipientes. Quando o som já indicava que estavam próximos a ultrapassar os limites da prudência, os três intérpretes fazem trejeitos de acomodar as braguilhas e, virando-se para a sala, lançam com toda a força o conteúdo dos seus penicos para o público. O grito, berro ou bramido unânime daquela sala sobrelotada foi ensurdecedor mas o que lhes caiu encima foram rebuçados, papelinhos, caramelos, serpentinas e confetes."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 212 pp. 20-21 (14-II-2018)
"O número era uma procura espiritual e assumia uma identidade simbólica que está na essência de todas as culturas. a mística do número 6 baseia-se na condição de ser o primeiro de uma exígua lista de números perfeitos e, além disso, tanto a soma como a multiplicação dos seus divisores dão o mesmo resultado (6=1+2+3=1x2x3) e na cabala hebraica representa a bela harmonia. Nessa abstração do sagrado, o número 6 é o símbolo da procriação pois é o produto do princípio feminino, o 2, e o princípio masculino, o 3."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 150 p. 20 (8-VII-2015)
"Só depois da Segunda Grande Guerra, nas décadas de 60 e 70, é que aparecem pedagogos que enfrentam a ditadura da banalidade tonal das musiquetas, impulsionada pela indústria mal dita cultural, e da qual o filósofo Theodor W. Adorno diz: “A arte sem sonho, produzida para o povo, realiza aquele idealismo sonhador que parecia exagerado ao idealismo crítico”."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 129-130 p. 20 (10-IX-2014)
"Quando não há vaga na piscina, a opção de estudar música passa a ser considerada e assim é como muitas crianças começam a tocar um instrumento que tanto elas como seus pais nunca antes ouviram. As metodologias para ensinar e motivar estes alunos não podem ser as mesmas que se aplicavam antes, mas esta é uma ótima oportunidade para conseguir novos públicos e ampliar a base social do ensino da música. Ainda bem que não há vaga na piscina."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 126 pp. 18-19 (16-VII-2014)
"O quinto aniversário é, pois, uma celebração de ouro, quase mágica, que denota um crescimento natural, e desde sempre ligado às artes, à cultura e à biologia. em 1677, Leibniz escreveu um ensaio intitulado Diálogus e na margem do texto escreveu esta frase: "Cum Deus calculat et cogitationem exercet, fit mundus" o que podemos traduzir por 'quando Deus calcula e pensa, faz-se o mundo'. Como o mundo já está feito, adotemos a estrela pentagonal dos pitagóricos para que o fluir deste pentaniversário nos encaminhe para o sexto harmónico, a terceira menor, e consolide o senario de As Artes entre As Letras. "
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 125 p. 15 (25-VI-2014)
"A mediocridade global do pós-modernismo, com a utilização industrial e fragmentária das emoções, sentimentos, crenças ou conhecimento, reduzida ao ato do consumo, sem qualquer perspetiva de passado nem futuro, transforma a visão mágica do mundo num simples ópio para o povo."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 123 p. 17 (28-V-2014)
"Claude Lévi-Strauss diz que após o humanismo aristocrático do renascimento e do humanismo burguês, exótico, do século XIX, surge o humanismo democrático que "apela à reconciliação do homem e da natureza, num humanismo generalizado".O artista, hoje, é um antropólogo social e cultural que desenvolve uma lógica das qualidades sensíveis do som, da cor, do sabor, da textura, do cheiro, e "escolhe, combina ou opõe estas qualidades para transmitir uma mensagem, de alguma forma, codificada". O pensamento sensível da sociedade, encabeçado pelos artistas, será o artífice de um burgo sustentável, de uma cidade inteligente."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 119 p. 18 (26-III-2014)
"A criação de um conto musical ‘para educar os sentidos’ evocando a transcendência, levou a uma indagação em disciplinas longínquas mas com alguma ligação à experiência da arte. A investigação orientou-se para a ‘amusia’ ou ignorância musical e o processo estimulador das adivinhas como imagem enigmática da arte. A metodologia é de enfoque qualitativo e assenta no paradigma construtivista sob a forma de Estudo de Caso. Os resultados parciais da criação da obra foram triangulados com crianças, alunos e colegas do compositor."
Publicado em Diálogos com a Arte (ISSN: 2183-1726) nº 3 pp. 109-127 (2013)
"Obviamente, não faltam, ainda hoje, os diletantes eloquentes com gostos duvidosos, e a cabeça bem cheia, incapazes de perceber a transcendência do sistema não tonal, “um sistema complexo formando um todo organizador”. Para além de arte, a música é uma ciência sistémica que integra os paradigmas da complexidade, da instabilidade e da intersubjetividade. isto não nega o ‘reducionismo-mecanicista’ das musiquetas de consumo que produz a indústria cultural – assentes nos pressupostos de simplicidade, estabilidade e objetividade do pensamento cartesiano que inspira a ciência económica – mas que não oferece suficientes parâmetros para o progresso humano, revelando-se “incapaz de encarar o contexto e o complexo planetário”."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 102 p. 17 (17-VII-2013)
"Schoenberg, há um século, afirmava: “formação, hoje, significa saber um pouco de tudo sem compreender nada de coisa alguma”. Não evoluímos muito nos últimos cem anos, porque o papagaio nem desenvolve competências nem tem a faculdade de pensar. Se o papagaio não formar parte das elites, “a via alternativa para os menos favorecidos ou menos dotados” é a submissão."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 98 pp. 18-19 (15-V-2013)
A mudança transcende a existência e a partícula 'trans' -para além de- semeia uma nova linguagem em transformação -transferível, translúcido, transacional, transparência, transgénico, transmissibilidade, transexualidade, transumano, transpolítica, transcultural, transestética- que abre caminhos para um pensamento multidimensional e sistémico que Rosa M. Rodríguez-Magda designa como 'transmodernidade'.
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 95 p. 19 (27-III-2013)
"O priscilianismo é, pois, a grande ponte europeia que permanece na nossa cultura como um substrato ao longo dos séculos. Tão firme é esse substrato que são muitos a acreditar que a origem das peregrinações a Compostela é precisamente o sepulcro de Prisciliano."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 91 p. 20-21 (30-I-2013)
"Os esquemas alimentam os modelos cognitivos e as expetativas. Com um esquema, a música mais complexa é interpretável mesmo quando se ouve pela primeira vez. Quando a música está a soar, nomeadamente se lhe prestarmos atenção, o cérebro vai antecipando os acontecimentos musicais. Se resulta trivialmente previsível, carece do mínimo interesse e considerámo-la banal. Se, pelo contrário, ultrapassa os nossos esquemas cognitivos, pode desorientar-nos e denominamos como demasiado complexa. ainda assim, se ouvirmos uma peça musical radicalmente nova o suficiente número de vezes, ela acabará por ser codificada pelo cérebro, desenvolvendo pontos de referência."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 84 p. 22 (17-X-2012)
"Quando se ameaça a cultura, o modo de vida e o sentido de continuidade dum grupo, percebe-se como um sentimento de insegurança cultural que pode gerar uma crescente mobilização coletiva, uma reivindicação de soberania ou um nacionalismo que responda a agressão. A globalização foi o sonho totalitário do capitalismo ultraliberal, o fundamentalismo do mercado livre que trocou a luta de classes em divisão e antagonismo dos trabalhadores de países ricos e pobres por mor da deslocalização de empresas."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 78 p. 17 (11-VII-2012)
"Toda a civilização implica dois princípios
que se opõem e complementam, a ordem e
a desordem, a cultura e a sociedade. A cultura fabrica a ordem e consiste no conjunto das
relações que as pessoas duma civilização da-
da mantêm com o mundo."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 75 p. 11 (30-V-2012)
"O projeto People's Choice, de Komar e Malemid, também indagou, por meio da estatística, qual seria a música universal. O resultado não revelou coisa alguma de interesse, para além dos números. Apenas como curiosidade perversa e pedra de escândalo, cabe referir que esses números situam as músicas que utilizam acordeões, gaitas de fole ou crianças, no topo das músicas mundialmente mais repelentes. Adorno sabiamente concluía: "É com horror que o sensório percebe a irracionalidade do racional".
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 65 pp. 19 (28-XII-2011)
"O pós-modernismo foi o sonho do grande império, a ditadura do efémero, da estetização da propaganda, da inexistência do ser. Mas também da fragmentação do saber em pílulas douradas e fáceis de tragar. A transmissão de conhecimento deixou de ser um objetivo do ensino para ser substituído por experiências e sensibilidades em constante mutação. O mundo deixou de ser 'factum' para converter-se em 'fictum', simulacro".
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 62 pp. 10-11 (16-XI-2011)
"A ignorância ativa, aquela que se ignora a si mesma, não procura a sabedoria e despreza o entendimento ou inteligência. O filósofo alemã Arthur Schopenhauer, na sua obra O mundo como vontade e como representação, diz-nos que “Carência de entendimento se chama estupidez”. Mas não devemos confundir essa carência com o analfabetismo básico pois a iliteracia tem graus académicos, poder, dignidade e dinheiro. Ouçam as musiquetas ordinárias, que se utilizam em tantas celebrações universitárias. A cultura da estupidez é a indústria que nos mantém na caverna."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 57 pp. 18-19 (31-VIII-2011)
"Não faço ideia como, utilizando a linguagem puramente musical, eu possa pedir um copo de água fresca. O mais temido crítico musical do século XIX, Eduard Hanslick, na sua obra Do Belo Musical afirma, com argumentos científicos, que os sentimentos não são o conteúdo da música, e conclui que na música 'conteúdo' e 'forma' são a mesma coisa: os próprios sons. Daí que para Hanslick as emoções na música sejam efeitos secundários da linguagem formalista. A música parte da abstração formal para construir uma narrativa simbólica. A literatura parte do concreto, da representação, para aventurar-se temporariamente na abstração. Ambas fazem percursos contrários, mas no caminho cruzam-se e relacionam-se."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 55 p. 17 (27-VII-2011)
"Com frequência, ouvimos referir queixas de que esta ou aquela pessoa não olha nos olhos quando se fala com ela e esse comportamento tem-se, mesmo, por uma má educação. Se a linguagem é falada, portanto auditiva, porque olhar nos olhos? O hiper consumismo visual deformou de tal modo a audição que cada vez menos pessoas conseguem ouvir música de olhos fechados e só olham para o seu vazio interior. A diferença entre o que eles ouvem e o que ouve o iniciado –segundo nos esclarece Theodor Adorno na Teoria Estética– “circunscreve o caráter enigmático” já que “a expressão é o olhar das obras de arte”. "
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 52 p. 22 (15-VI-2011)
"Os números estão na origem do conhecimento, são o mistério do saber, a essência da lógica, a inteligência da verdade. Dum Deus calculat, fit mundus, estabelece a doutrina de Leibniz. As artes e as letras continuam a ocultar o enigma que desvelam. Adorno, na Teoria estética, afirma que “na instância suprema, as obras de arte são enigmáticas, não segundo a sua composição, mas segundo o respetivo conteúdo de verdade” e esclarece que “as obras de arte que se apresentam sem resíduo à reflexão e ao pensamento não são obras de arte”."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 50 p. 12 (11-V-2011)
"Numa intervenção académica, na qual questionava a validez artística do pós-modernismo, fui compelido a esclarecer o conceito de transcendência e optei por fazê-lo com palavras simples recorrendo ao exemplo da gravidez. Os motivos pelos quais se chega a uma gravidez podem ser múltiplos e variados, desde algo não desejado até uma reprodução assistida, mas, uma vez que se toma a decisão de a levar para a frente, o objetivo é sempre o mesmo: ultrapassar a própria existência, deixar memória, ir além do ordinário, ser fora de si, elevar-se acima do vulgar, transcender. Reconheço que não fui muito simpático respondendo assim a uma senhora sem filhos, mas uma sociedade que não procria, dando à luz, produzindo, criando –sejam filhos, obras de arte, ou conhecimento– extingue-se vítima da sua própria intranscendência."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 49 p. 17 (27-IV-2011)
"Como cultura dominante – e com a «boa consciência» de sentir-se sob a proteção divina– podemos profanar as crenças e conhecimentos de outras culturas, mas não será aceite que essas culturas ‘inferiores’, abandonadas do ‘deus verdadeiro’ (capital, religião, filosofia, bem-estar) ousem ofender os nossos valores. Profanamos o silêncio dos que pensam e não suportamos que os seus pensamentos esclareçam a nossa confusão; desrespeitamos o espaço sagrado dos outros e irritamo-nos quando se aproximam do nosso templo."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 45 p. 13 (23-II-2011)
" O que é que concita as iras do poder quando se menciona a palavra «cultura»? Já, na antiga Grécia, Platão expressou, na República, um temor que parece continuar vigente: “nunca se abalam os géneros musicais sem abalar as mais altas leis da cidade”. A cultura dá argumentos aos indivíduos para questionar o poder mas nenhum ‘poderoso’ aceita de bom grado submeter a sua autoridade."
Publicado em As Artes entre as Letras (ISSN: 1647-290X) nº 41 p. 13 (29-XII-2010)
"A qualidade do nosso cérebro, segundo recentes investigações de neurocientistas cognitivos, tem muito a ver com as músicas que ouvimos habitualmente, pois quanto mais complexa é essa música, mais poderosa será a rede que urde o cérebro. E a experiência criativa do compositor, para gerar processos mentais, é trasladável aos intérpretes e ouvintes atentos. Basta que estes repitam a audição, como a criança repete a palavra, um suficiente número de vezes e assim dar tempo ao cérebro de ativar, conectar e coordenar os neurónios. É aí que podem surgir as ideias, o pensamento, a inteligência, e então experimentarmos o “sentimento oceânico”, que Sigmund Freud definiu em O Mal-Estar na Civilização como a sensação de estabelecer um vínculo indissolúvel, de ser um com o mundo exterior, de formar parte de um todo. Isso é o que faz a criança quando pega numa palavra nova. Isso foi o que eu fiz neste artigo seguindo a lógica instintiva da criança."
Publicado em Programa de Festas de Tui (IV-2009).
"As relações sociais baseadas na violência são todas de estrutura vertical. Acima está o poder, a força, a autoridade, a lei, elementos tradicionalmente considerados masculinos. Abaixo está a submissão, obediência, e tudo o que a tradição judeo-cristã considera próprio da mulher, como descanso do guerreiro, beleza, encanto, sensibilidade; e chega inclusive à infâmia de a qualificar de sexo débil e confiná-la à função doméstica e reprodutora que Engels definiu como “proletária do homem”. "
Publicado em A Nossa Terra (Vigo), nº 1259 (8-III-2007).
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